24 outubro 2023

Nitas (1947-203): 7 meses de saudade (Chita)

 


Nitas, na praia de Azenhas do Mar, Sintra, ao pòr do sol, o último do ano, 31 de dezembro  de 2018

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição:  Blogue A Nossa Quinta de Candoz]



Nitas, minha querida mana:

É dia 24.  Faz 7 meses que partiste.

Não tenho (nem preciso de ter) o teu código postal. Falo diretamente contigo, quase todos os dias. Mas tu nem sempre me respondes. Aliás, estás quase sempre calada. E eu tenho tanta necessidade de te ouvir. De falar contigo e de te ouvir. E para mais agora que está a chegar o inverno…  

Sinto a tua falta: sem ti, sem o toque do teu telelelé, sem as fotos que me mandavas, ou  sem as nossas videochamadas que fazíamos, estou mais só… Fazes-me muita falta. Não quero ser egoísta. Fazes falta a todos nós… E isso só quer dizer que te amávamos muito. Nós e os teus amigos que te continuam a recordar com muita saudade.

Eu insisto em dizer à Clarinha que “a tia Nitas foi para a estrelinha”… E eu própria já me convenci de que tu tens, afinal, todo o céu por tua conta. 

Fico mais calma quando à noite vejo o céu estrelado, e posso contar as tuas estrelinhas… Numa interminável viagem pelo universo, todas as estrelas são tuas. Escolho sempre algumas mais especiais. 

Preciso dessa magia, Mana. Boa noite, acho que hoje vou dormir melhor depois de “falar contigo”…

Tua Chita, Alfragide, 24 de outubro de 2023

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Poema dedicado a minha querida e saudosa Maninha que faz hoje 7 meses que partiu. São tantas as saudades que me deixa sem chão!!!

Um poema de Ana Luísa Amaral que também já não está entre nós. Duas mulheres fortes do Norte que quero homenagiar.


Um Céu e Nada Mais


Um céu e nada mais — que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul — como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais — que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.


Ana Luísa Amaral (1956-2022)
 in “Às Vezes o Paraíso” ( Quetzal, 1998; reed. 2000)
 (com a devida vénia...)