24 abril 2012

O nosso saudoso Luís Henriques (1920-2012), um amigo de Candoz


Lourinhã > Abril de 1999 > Luís Henriques (1920-2012) e Maria da Graça (n- 1922)


1. Texto de Luís Graça, publicado no jornal Alvorada, [Lourinhã,] nº 1103, 20 de abril de 2012, p. 26

Morreu o Luís Sapateiro (1920-2012), uma figura muita popular e querida da nossa terra 





Luís Henriques, mais conhecido por Luís Sapateiro, nasceu na Lourinhã em 1920. Homem de fé, morreu no passado domingo de Páscoa, dia 8, na Atalaia, no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde vivia desde 2008 com a esposa, Maria da Graça. 

 Filho de Domingos Henriques e de Alvarina de Sousa, ficou órfão de mãe, aos dois anos. Viveu nos primeiros anos de infância com a nova família do pai, que casou pela terceira vez. Ao todo teve uma dúzia de irmãos. Depois de feita a 4ª classe, o seu primeiro emprego foi como marçano na loja do fotógrafo e comerciante Manuel Lourenço da Luz, pai do fotógrafo António José da Luz (Foto Luz).

Aos 13 anos, terá uma nova família de acolhimento, a do seu tio materno, Francisco de Sousa (Fofa), músico e industrial de sapataria. Aprende o ofício de sapateiro. Aos 20 anos assenta praça nas Caldas da Rainha. Entre julho de 1941 e setembro de 1943, esteve como expedicionário na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde. A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses que pertenciam à mesma unidade. Do Mindelo escreve à sua namorada, futura noiva e esposa: Maria, minha cachopa,/ Não me sais do pensamento, / Tão logo saia da tropa, /Trataremos do casamento

De regresso à Lourinhã, faz sociedade com o seu irmão Domingos Severino. Abrem a sua própria oficina de sapataria, na Rua Miguel Bombarda. Casa, entretanto, em 1946. A 29 de janeiro de 1947 nasce o seu primeiro filho, Luís. Até 1964, terá ainda mais três raparigas: Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel. 

Atleta amador, joga futebol e é treinador das camadas juvenis, ao mesmo tempo que participa na vida associativa das diversas coletividades da sua terra, desde o Sporting Clube Lourinhanense (SCL) até aos bombeiros, a banda de música e a misericórdia e ainda as irmandades de N. Sra dos Anjos e de São Sebastião. Quando morreu, era de há muito o sócio nº 1 do SCL, coletividade que de resto sempre o acarinhou e o homenageou, tanto em vida como na morte.

Era um bom lourinhanense, muito querido e estimado por toda a gente. Espirituoso, bem humorado, com jeito para o improviso poético, definia assim a sua terra: Lourinhã, uma vila catita, / Bonita, sem vaidade,/ tem montras como uma cidade, / Mas também ninguém nos engana: / Ao fim de semana, / Sem sol, sem bola e sem missa, / É uma terra de preguiça… 



Trabalhador por conta própria, deu trabalho a muitos sapateiros. O seu negócio teve altos e baixos. Ainda está na memória de muita gente o local da sua última oficina, na Praça Coronel António Maria Batista, nº 9. Daí também o seu desabafo, sob a forma de parlenda popular: À segunda feira [o tradicional dia de descanso dos sapateiros] , o trabalho abunda; à terça, dor de cabeça; à quarta, trabalho à farta; à quinta, dança a pelintra; à sexta, o patrão é uma besta; ao sábado, o patrão arreliado… passa-se para o outro lado! 


Foi, além disso, um bom pai e um avô carinhoso. Tinha 12 netos e 5 bisnetos. Viveu pobre e morreu pobre, mas com dignidade, vítima de doença prolongada. Escreveu um diário (cerca de 500 páginas manuscritas) entre 2008 e 2011.

Os seus familiares e amigos mais próximos lembrá-lo-ão sempre como um homem simples mas único, que irradiava alegria de viver e boa disposição. Não deixa “obra feita”, como sói dizer-se. Mas o seu exemplo de generosidade, bondade e otimismo perdura para além da morte. Para os seus filhos, netos e bisnetos, foi um privilégio tê-lo como pai e avô. Para eles, foi e será sempre o melhor pai e avô do mundo.

Uma palavra muito especial de agradecimento é devida à direção do SCL e ao pessoal do Lar e Centro de Dia de N. Sra. da Guia, na Atalaia, bem como ao médico dr.Rui Martins. Mas também aos seus parentes, amigos, conterrâneos e vizinhos que se interessaram pelo seu estado de saúde e que o acompanharam até à sua última morada na terra, incluindo os elementos do Coro Municipal da Lourinhã, Rui Mateus, Moura, Quim Zé e Ana Mateus que no cemitério cantaram para ele a famosa e sublime canção alpina Signore delle cime (do italiano Giuseppe de Marzi, 1958). 

Texto e foto: Luís Graça.

16 abril 2012

Luis Henriques (1920-2012), "meu pai, meu velho, meu camarada" (Parte III)

Luis Henriques (19.8.1920-8.4.2012)  > Praia da Areia Branca, esplanada do Bar dos Cinco Paus > 17 de março de 2012 > A sua despedida do mar azul,com as Berlengas ao fundo, que ele tanto amava... 

(Continuação)

Era um bom lourinhanense, muito querido e estimado por toda a gente. Espirituoso, bem humorado, com jeito para o improviso poético, definia assim a sua terra: 


Lourinhã, uma vila catita, 
Bonita, sem vaidade,
Tem montras como uma cidade, 
Mas também ninguém nos engana: 
Ao fim de semana, 
Sem sol, sem bola e sem missa, 
É uma terra de preguiça… 

Ou noutra variante: 

Lourinhã tem três entradas, 
Três saídas, 
Três igrejas, 
Três ermidas,
Três  moinhos de vento 
 E ladrões em todo o tempo.

Era um homem de palavra e de palavras, que nunca usou como arma de arremesso contra ninguém. Talvez por essa razão não tinha inimigos conhecidos: 

Palavra fora da boca 
É pedra fora da mão, 
Tu pensa bem as palavras 
E tira-as do teu coração.

Trabalhador por conta própria, deu trabalho a muita gente, numa época em que o emprego era escasso e mal remunerado… Muitos deles, os que ainda estão no meio dos vivos, falam dele como um patrão que dava camisa ao seu empregado... Ao fim da semana, podia não haver dinheiro em casa, mas não falhava a semanada do seu pessoal...


Tinha, por outro lado,  inúmeros clientes, quer da vila, quer das aldeias mais a norte do concelho (do Sobral a São Bartolomeu) e até fora do concelho (Bufarda, por exemplo). Terá percorrido, na sua vida, muitas dezenas de milhares de quilómetros, de bicicleta, levando e trazendo calçado dos seus “fregueses”, que muito o estimavam. 

O seu negócio teve altos e baixos, e conheceu várias sociedades e vários locais. A última e a mais conhecida das suas oficinas foi na Praça Coronel António Maria Batista, nº 9 (junto ao beco quer liga à Rua João Silva Marques). Daí também o seu desabafo, sob a forma de parlenda popular: 

À segunda [o tradicional dia de descanso dos sapateiros] , o trabalho abunda; 
à terça, dor de cabeça;
 à quarta, trabalho à farta; 
à quinta, dança a pelintra; 
à sexta, o patrão é uma besta; 
ao sábado, o patrão arreliado… passa-se para o outro lado! 

Foi, além disso, um bom pai e um avô carinhoso. Tinha orgulho nos seus filhos, netos e bisnetos, os quais, por sua vez, tiveram a rara felicidade de estarem junto dele na hora, difícil, da sua partida deste mundo. Viveu pobre e morreu pobre.  A maior riqueza que lhes deixa são os valores por que norteou a sua vida, o seu sorriso, a sua bondade, o seu exemplo de  trabalhador honesto e incansável, enfim, a sua alegria de viver que contagiava tudo e todos.


Foto à esquerda, acima: Lourinhã > Abril de 1991 > Luís Henriques (1920-2012) e a sua companheira de toda uma vida, Maria da Graça (n. 1922)

Morreu com dignidade, vítima de doença prolongada. Viveu os seus últimos quatro anos no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, na Atalaia, onde encontrou uma segunda família. 


Em 30/10/2008 escrevia no seu diário: “(…) nesta nova família que nos arranjaram, fico triste pelos que se encontram piores do que eu. Não tenho culpa de ter nascido assim. Por tudo isto, sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos. É esta a minha política: esquecer as minhas dores lembrando dos que se encontram bem piores do que eu (…)”.

Os seus familiares e amigos mais próximos lembrá-lo-ão sempre como uma homem simples mas único que irradiava alegria de viver e boa disposição à sua volta.

Uma palavra muito especial de agradecimento é devida à direção do SCL e ao Lar e Centro de Dia da Atalaia (na pessoa da sua diretora técnica dra. Ana Caetano, do médico dr. Rui Martins e dos demais profissionais que cuidaram do meu pai, até à sua morte, com uma inexcedível competência, dedicação e humanidade). Mas também aos seus parentes, amigos, conterrâneos e vizinhos que se interessaram pelo seu estado de saúde e que o acompanharam até à sua última morada na terra. 


Por fim, um xicoração muito especial aos elementos do Coro Municipal da Lourinhã, Rui Mateus, Moura, Quim Zé e Ana Mateus que no cemitério cantaram para ele e para todos nós a famosa e sublime canção alpina “Signore delle cime”, composta em 1958 pelo italiano Giuseppe de Marzi: 

Dio del cielo, Signore delle cime,
Un nostro amico hai chiesto alla montagna. 
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo: 
Su nel Paradiso, sul nel Paradiso lascialo andare per le tue montagne…

Texto e fotos: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados

Luis Henriques (1920-2012), "meu pai, meu velho, meu camarada" (Parte II)




Lourinhã > Vídeo feito em 19 de agosto de 2010, no 90º aniversário > Luis Henriques, nascido na Lourinhã, em 19 de Agosto de 1920, filho de Domingos Henriques e Alvarina de Jesus. Casado com Maria da Graça, 88 anos. Foi expedicionário em Cabo Verde (Mindelo, 1941/43). 

Órfão de mãe aos dois anos, foi criado por um tio, sapateiro e músico (Francisco, Fôfa). Começou a trabalhar aos 9 anos, como caxeiro, na loja do fotógrafo da terra (e o primeiro da Praia da Areia Branca, no final dos anos 20). Aos 13, aprendeu o ofício do tio. Fez a tropa, no RI 5, foi mobilizado para Cabo Verde. Regressou à vida civil em Setembro de 1943. Casou em 2 de Fevereiro de 1946, com Maria da Graça, natural de Nadrupe (e que como muitas outras raparigas camponesas, do seu tempo, foi criada de servir em Lisboa, até casar). 

Estabeleceu-se por conta própria depois da tropa, os negócios conheceram altos e baixos. O futebol foi sempre a sua paixão, primeiro como jogador e depois como treinador (nomeadamente das camadas juvenis e júniores). É o sócio nº 1 do Sporting Club Lourinhanense. O Ti Luis Sapatêro  é uma das figuras mais populares e queridas da sua terra. Tem 4 filhos: Luís, Graciete, Maria do Rosário, e Ana Isabel. Tem 12 netos e 4 bisnetos. Vive hoje, com a esposa, no Lar Nossa Senhora da Guia, Atalaia, Lourinhã. Ainda escreve o seu diário... e lê (jornais e romances).

Vídeo (10'  50''): ©    Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes 

(Continuação)


Aos 20 anos assenta praça no Regimento de Infantaria nº 5, Caldas da Rainha. Em 1941 parte para Cabo Verde, como expedicionário, com o posto de 1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5. Tinha memórias muito vivas (incluindo registos fotográficos) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943).
A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o Caixaria, o Boaventura Horta, o Jaime Filipe, o Leonardo, e outros - naturais da vila, da Atalaia, da Serra do Calvo... - que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44).

 Numa época de elevado analfabetismo, sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa (!) de alguns dos seus camaradas, e até das moradas (!) para onde enviava as cartas. 

Em nome do Fortunato Borda d'Água, do Cercal, Azambuja, por exemplo, chegava a escrever 22 cartas por semana... O Fortunato tinha duas namoradas, "uma que chorava ao pé da mãe dele, e outra que se ria, em plena rua"... O meu pai um dia teve que o ajudar a decidir-se:
- Ó Fortunato, afinal de quem é que tu gostas mais ? Com queres casar ? Da que se ri, na rua, ou da que chora no ombro da tua mãe ?...
- Ó Luís, claro que é da que chora...


  A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram dezenas de milhares de mortos, tiveram impacto na sua consciência de bom português e bom cristão. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -, para ajudá-la nas despesas do enterro. Lembro-me de ele me dizer que um cabo ganhava na época qualquer coisa como 130$00 por mês... De volta à metrópole, não terá mais do que 200$00 ou 300$00 no bolso. Para ele o dinheiro nunca foi fêmea...

Do Mindelo escreve à sua namorada, futura noiva e esposa: 


Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,  
Tão logo saia da tropa, 
Trataremos do casamento… 

De regresso à Lourinhã, em setembro de 1943, vinha cheio de saudades… de comer uvas. Faz sociedade, durante mais de 10 anos, com o seu irmão Domingos Severino. Abrem a sua própria oficina de sapataria, na Rua Miguel Bombarda. Chegam a ter bastantes empregados. Na época ainda não havia produção industrial de calçado. 

Casa, entretanto, em 2 de fevereiro de 1946 com a Maria da Graça, natural do Nadrupe, criada de servir de senhores e senhoras de Lisboa, da Praia e da Lourinhã, desde tenra idade [Foto à esquerda, acima].

A 29 de janeiro de 1947 nasci eu. Até 1964, terá ainda mais três raparigas: Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel. [Foto à direita, eu e a Graciete, por volta de 1953].

Continua a jogar futebol, como atleta amador, e ao mesmo tempo participa na vida associativa das diversas coletividades da sua terra, desde o SCL - Sporting Club Lourinhanense,   até aos bombeiros, a banda de música e a misericórdia. É mordomo de festas (como a da Sra dos Anjos e de São Sebastião). 


Quando morreu, era de há muito o sócio nº 1 do SCL, coletividade que de resto sempre o acarinhou e o homenageou, tanto em vida como na morte.

(Continua)






Luís Henriques (1920-2012) é mobilizado  para Cabo Verde. 1º Cabo Inf, nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5 (Caldas da Rainha). Esteve no Mindelo, S. Vicente,  entre Julho de 1941 e Setembro de 1943. Neste episódio, conta como foi de táxi da Lourinhã para Lisboa, em estrada de macadame (70 km), com mais camaradas, chegando atrasado à formatura para o embarque, em 15/7/41... Ouve, pela última vez, a caminho do Cais da Rocha Conde de Óbidos, a voz da sua amiga Fernandinha, que conhecera na Praia da Areia Branca... Quando  voltou, 26 meses depois, procurou-a e soube da triste notícia...da sua morte.

Vídeo (4'  14''):  ©  Luís Graça (2009). Alojado em You Tube > Nhabijoes  

Luis Henriques (1920-2012), "meu pai, meu velho, meu camarada" (Parte I)


Luís Henriques, mais conhecido por Luís Sapateiro, nasceu na Lourinhã, distrito de Lisboa, em 19 de agosto de 1920, na atual rua da Misericórdia, num prédio hoje em ruínas. Homem de fé, morreu numa manhã soalheira de domingo de Páscoa, no passado dia 8 de abril, na Atalaia, no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde vivia com a esposa, Maria da Graça, desde meados de 2008. 


Morreu em paz, consigo, com os seus descendentes (4 filhos, 12 netos, 5 bisnetos), com Deus e com o mundo.

Tinha raízes, pelo lado do pai, Domingos Henriques, no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar. O meu avô paterno, que ainda conheci na infância, terá morrido com 91 anos. Usava muletas e fumava a sua beata: é a imagem que eu tenho dele. Dizia o meu pai que ele tinha ficado mal das pernas por causa do mar: como muitos agricultores das zonas ribeirinhas (Montoito, Atalaia, Areia Branca...), era nos tempos livres um mariscador, dedicando-se à apanha tradicional de polvos e crustáceos. Foi homem de teres e haveres, tendo casado três vezes. Do primeiro casamento, não teve filhos; do segundo, teve o meu pai e o meu tio (e padrinho de batismo), Domingos Severino, já falecido. Do terceiro casamento, teve "uma equipa de futebol e um suplente", como dizia, com graça, o meu pai.


Sua mãe, Alvarina de Jesus [, foto à esquerda], filha de Francisco Sousa, da Lourinhã, e de Maria Augusta, de Ribamar, morreu jovem, em 1922, de tuberculose, fato que o marcou para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo!... E nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina por mais de um vez. 

A minha avó paterna, Maria Augusta, nasceu em 1864, em Ribamar. Era uma Maçarica, que veio casar na Lourinhã, com um peixeiro.

Luis Henriques, órfão aos dois anos, viveu nos primeiros anos de infância com a nova família do pai, que casou pela terceira vez. Ao todo teve uma dúzia de irmãos. Fez a instrução primária (na época quatro anos de escolaridade) na velha Escola Conde de Ferreira (demolida pelo camartelo camarário antes do 25 de abril), sob a direção do saudoso Prof José António, que ainda conheci na minha infância, pai do nosso conterrâneo Jorge Pedro.

O meu primeiro emprego foi como… “máquina registadora e de calcular”, nas duas lojas do fotógrafo e comerciante Manuel Lourenço da Luz, que veio da Praia da Vieira para a Lourinhã, na primeira ou segunda década do séc. XX, e que foi pai do fotógrafo António José da Luz (Foto Luz). 

 A loja, na Rua Miguel Bombarda, vendia uma miscelânea de artigos fotográficos, vidraria, molduras, papelaria e bijuteria  [Vd. foto à direita, cortesia da bisneta do Manuel Lourenço da  Luz, a Ana Luz Pignatelli].

O Luís era muito rápido e fiável a fazer contas. Terá trabalhado para o seu primeiro patrão, na Lourinhã e na Praia da Areia Branca, a troco apenas da alimentação e de algumas gorjetas, durante cerca de 4 anos. 

O meu pai tinha recordações muito nítidas da época balnear, na loja da praia. Além da fotografia, o negócio do Manuel da Luz incluía o comércio de equipamento para caça e pesca. À segunda feira, ia com o patrão para a caça de patos, perdizes e coelhos ao longo do rio Grande…

Aos 13 anos, o meu pai terá uma nova família de acolhimento, a do seu tio materno, Francisco de Sousa (Fofa), músico e industrial de sapataria. Aprende o ofício de sapateiro. É criado com os seus primos António Francisco Sousa, Carlos Sousa e Milu (esta felizmente ainda viva; e todos eles com excelentes dotes musicais: o António tocava saxofone e fundou a primeira "banda de jazz" da terra, o conjunto Sol Do Ré Mi; o Carlos era um especialista em prata na banda da Lourinhã; e a Milú uma bela menina de coro; e o António Sousa era pai da Teresinha, a minha querida prima Teresinha, hospedeira de bordo em Angola, morta num um acidente aéreo, cujo ano não consigo precisar).

(Continua)

13 abril 2012

Na morte de Luís Henriques (1920-2012): uma palavra de agradecimento e apreço ao Lar de Nossa Senhora da Guia, Atalaia, Lourinhã


De.- Luis Graça e família

Para: Direção do
Centro de Dia e Lar Nossa Senhora da Guia
Estrada Nossa Sra. Guia 2
Atalaia
2530-014 ATALAIA LNH
Email –aschatalaia.asocial.anacaetano@gmail.com 
Telefone: 261 423 971

Assunto – Luis Henriques: agradecimento da família



À direção e a todo o pessoal desta prestigiada associação privada de solidariedade social, eu quero transmitir, em meu nome, em nome da minha mulher Maria Alice, e dos meus filhos Joana e Joana, duas palavras, uma de agradecimento e de outra de apreço, na sequência da morte do meu pai, Luís Henriques (1920-2012). Estou autorizado a falar também em nome do resto da família, e em especial das minhas irmãs Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel.

O meu pai foi vosso utente desde meados desde 2008. Infelizmente, a morte levou-o no passado dia 8, num soalheiro domingo de Páscoa. Mas nestes quase cinco anos que aí viveu, na companhia da minha mãe, ele sentiu-se sempre em casa, e referia-se a esse Lar como a sua nova família.

Pelo menos, desde setembro de 2008 até abril de 2011, o meu pai foi escrevendo, por sugestão minha, um diário onde registava, com regularidade, os “pequenos nadas” da sua existência nesta fase terminal da sua vida. Tenho os três cadernos que constituem o seu diário, com mais de 500 páginas manuscritas. Precisarei de tempo e vagar para os ler e analisar.

Há frequentes referências aos serviços e ao pessoal dessa instituição. Segue em anexo uma coleção de excertos do 1º caderno (de 9/10/2008 a 7/6/2009), selecionados a título meramente exemplificativo. Julgo ser também do vosso interesse conhecer melhor a autoperceção que têm os vossos utentes, relativamente às suas necessidades, expetativas e preferências, e avaliar a sua satisfação (bem como a satisfação dos seus familiares) em relação aos serviços prestados.

No seu diário, o meu pai refere-se sempre com grande delicadeza e ternura ao pessoal do Lar: as cachopas, as meninas, a senhora doutora, as senhoras cá da casa, as cachopas novas (estagiárias), o médico, a menina da enfermaria… E faz questão de mencionar os seus nomes: hoje deu-me banho a menina tal…

Por outro lado, mostrava sempre particular cuidado com a segurança e o bem-estar da nossa querida mãe, Maria da Graça, sua esposa e companheira de quarto… E sabia que podia contar com o precioso e pronto auxílio das vigilantes dos quartos, em caso de ocorrência de qualquer acidente ou incidente durante a noite…

Ele gostava também de participar em iniciativas do Lar, tais como festas, convívios, jogos, saídas e outras atividades de animação e lazer… Sentia-se bem quando o apreciavam e achavam graça aos seus ditos espirituosos, aos seus versos improvisados, às suas anedotas e historietas… Colaborava com agrado, sempre que solicitado: No lar querem versos do Natal (19/10/2008).

Amiudadas vezes referia-se à comida do lar, apreciando a sua qualidade e variedade… Sentia-se em casa, embora gostasse muito de receber visitas e de sair… Faz hoje 7 meses que aqui estamos, no Lar, até aqui tudo bem (23/1/2009).

Tinha um forte sentido de compaixão e de solidariedade: conformava-se com as suas dores crónicas, sabendo que havia outros utentes em pior situação que a dele… Embora limitado na sua autonomia, gostava de ajudar e sobretudo animar os outros.

A cultura do lar era também congruente com a sua idiossincrasia: Fico triste pelos que se encontram piores do que eu. (…) Sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos (30/10/2008).

Julgo que a sua atitude e os seus comportamentos em relação ao Lar, ao pessoal e aos utentes não mudaram muito nos anos seguintes, não obstante o agravamento do seu estado de saúde, em especial a partir de meados de 2011. Era, pelo que sabíamos e víamos, uma pessoa popular e querida de todos. Não creio que tenha criado inimizades.

Acima de tudo, ele encontrou neste Lar pessoas de grande qualidade humana e de elevado profissionalismo. Exprimiu-o, no seu diário, de forma singela, mas assertiva.

Compete-me a mim, interpretando também o sentimento de toda a nossa família, reforçar essa palavra de apreço por essa instituição que é a diversos títulos singular e exemplar: (i) a sua proximidade e abertura a (e constante interação com) a comunidade local, incluindo os familiares dos utentes; (ii) a eficiência e a eficácia com que os seus profissionais realizam as suas tarefas diárias; (iii) o seu elevado sentido de missão, o seu empenho e a sua competência; (iv) a humanização presente na organização e funcionamento do lar; (v) o ‘human touch’, o toque humano, que se sobrepõe (e deve sempre sobrepor-se) aos programas, aos planos, aos orçamentos, às políticas, às tecnologias; (vi) a discrição e a humildade com que ali se trabalha, fora das ‘luzes da ribalta’; (vii) a disponibilidade e a sensibilidade com que se lida com (e se tratam) seres humanos tão vulneráveis como são os nossos idosos institucionalizados; (viii) o forte espírito de corpo de cada uma das equipas que asseguram o funcionamento do Lar; (ix) o constante cuidado com o bem-estar, físico, mental, psicológico e até espiritual, dos utentes; e, por fim, e não menos importante, (x) o saber estar, o saber ser, o saber fazer dos vossos profissionais em relação à morte e ao morrer…

Queria sublinhar a maneira sempre hospitaleira, franca e carinhosa, como, no meu caso pessoal, da minha mulher e dos meus filhos, somos recebidos e tratados nesse lar, enquanto visitas. As minhas irmãs também partilham esta opinião. A verdade é que, ao fim destes anos todos, também já nos sentimos em casa, sempre que aí vamos, em geral aos sábados.

Muito em particular, foi para mim e para a minha mulher, Maria Alice, muito importante termos podido passar, com o meu pai, a noite de 4 para 5 de abril de 2012, depois de uma viagem de quase 4 horas, vindos do norte onde nos preparávamos para celebrar a Páscoa.

Nos três últimos dias da sua existência, podemos sempre visitar o meu pai e estar com ele no seu quarto, dentro do respeito das vossas regras de funcionamento. Gostaríamos, no entanto, de deixar aqui um sugestão quanto à possibilidade de os familiares mais próximos (em nº necessariamente restrito) poderem estar ao lado dos seus entes queridos, nos últimos momentos da sua vida.

Acreditamos que a organização do Lar pode não estar, de imediato, preparada para responder a este pedido ou sugestão. Mas seria, se não um exemplo pioneiro (há já hospitais e outras instituições onde tal acontece), pelo menos um passo muito significativo na humanização da morte e do morrer em Portugal.

Sabemos que o nosso pai não morreu sozinho, teve a seu lado duas das vossas melhores profissionais que, por razões óbvias, não vamos identificar, por que correríamos o risco de subvalorizar o trabalho de outras colegas, em iguais circunstâncias.

Estávamos a acabar de chegar ao Lar quando o meu pai exalou o último suspiro. Conforta-nos saber que ele se despediu desta vida, em paz consigo, connosco, com Deus e com o mundo. E que morreu com a dignidade humana possível.

Peço à direção do Lar que dê conhecimento, a todos os profissionais dessa casa, do conteúdo desta mensagem, e que lhes transmita toda a nossa gratidão, reconhecimento e apreço pelo carinho, amizade e compaixão com que trataram o meu pai e continuam a tratar a minha mãe.

O melhor do Lar e Centro de Dia de N. Sra. da Guia são as pessoas que lá trabalham, no ‘front office’ e no ‘back office’. O nosso sentimento de apreço e de agradecimento é extensivo, naturalmente, às pessoas que compõem os órgãos de gestão e de direção técnica.

A todos/as, o meu, o nosso Bem Hajam !

Luís Graça, em nome de toda a família de Luís Henriques e Maria da Graça.

Alfragide, Amadora, 12 de abril de 2012.

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Anexo - Diário de Luís Henriques (2008-2011): Seleção de excertos do 1º caderno (de 9/10/2008 a 7/6/2009)

10/10/2008

(…) As cachopas já reinam com o ti Luís, chamo a isto uma verdadeira família (…).

14/10/2008

(…) Veio cá a televisão filmar-nos. Eu fui entrevistado, […]indicado para falar na apresentação de casais dos mais recentes desta casa (…).

19/10/2008

(…) No lar querem versos do Natal (…)

30/10/2008

(…) desta nova família que nos arranjaram, fico triste pelos que se encontram piores do que eu. Não tenho culpa de ter nascido assim. Por tudo isto, sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos. É esta a minha política: esquecer as minhas dores lembrando dos que se encontram bem piores do que eu (…).

7/11/2008

(…) A comida continua a ser boa. Tivemos ontem ao almoço cozido à Portuguesa (…).

8/12/2008

Nª Sraª da Conceição: festa cá na casa, missa na capela, seguida de almoço que demora a tarde inteira com atuação de animação variada e música, etc.(…)

16/12/2008

(…) 4ª feira, [17], é o almoço nos Teimosos, vamos ver como corre a partida (….).

17/12/2008

(…) Foi um dia bem passado, ela [, Maria da Graça,] até dançou, a meu pedido, com as senhoras cá da casa, até a própria doutora (…). Muita gente, velhotes também de outros lares, foi bonito, e não esperavam tanta gente (…).

23/1/2009

(…) Faz hoje 7 meses que aqui estamos, no Lar, até aqui tudo bem (…)

4/2/2009

(…) Estou contente de cá estar nesta nova família, estou a escrever e a ver televisão (…)

5/2/2009

(…) Hoje entrou mais gente para o Lar. E também mais estagiárias, gente que entrou para trabalhar, cachopas novas (…)

11/2/2009

(… ) Fui ao médico, Rui Martins, médico da casa: estava eu a jogar ao dominó, senti dores de cabeça e queixei-me à senhora da enfermaria. Chamou logo o doutor que depois observou-me e disse à menina para eu ir tirar análises (…).

13/2/2009

(…) Notei que o café fez-me bem disposto, até 4 novos elementos que aqui estão a estagiar riram com as minhas anedotas. Eles tiraram fotografias connosco. (…)

17/2/2009

(…) Fui convidado para irmos à Lourinhã, 4ª feira, desfilar, o pessoal cá do Lar, Moleiros e Padeiras (…).

1/3/2009

(…) Hoje foi um dia calmo neste Março Marçagão, de manhã inverno, à tarde verão (…)

5/3/2009

(…) O almoço foi coelho com arroz, bem bom. À tarde, peixe (goraz ou pargo ?), cozido com batatas, salada de alface, e uma pinga de tinto em cima (…)

20/3/2009

(…) Fomos avisados para estar na sala de televisão, ás 2h30. Foram passados retalhos do Natal, do Carnaval, etc. (…)

23/3/2009

(…) faz hoje 9 meses que aqui chegámos a este Lar. Depois do almoço tivemos uma sessão [sobre] vários jogos intergrupos. Foi engraçado, ver responder com gestos sem falar e tentar compreender, etc. (…)

25/3/2009

(…Faleceu a [cunhada] Elvira Barbosa (…). Levaram-nos ao Nadrupe (…). Fomos só velar o corpo e falar com alguns familiares. Chegou a hora dela, e a nossa também chegará (…).

29/3/2009

A menina F… deu-me banho (…)

/4/2009

(…) Boa comida, já escrevi aqui atrás. Tanto ao almoço como ao jantar (…)

6/4/2009

(…I) Esta noite passada a Maria da Graça caiu da cama abaixo. Eu consegui levantá-la. Eu pedi socorro, elas apareceram, mas já não foi preciso (…).

16/4/2009

5ª feira, dia de banhos, De manhã não saí à rua. De tarde veio cá o comandante da GNR da Lourinhã, a avisar os utentes cá do Lar, por causa do conto do vigário (…)

7/5/2009

(…) Hoje há uma pequena festa, o almoço e a merenda são passados lá no Pavilhão Multiusos com dança, e o Inácio está convidado para cantar e fazer variedades. Logo se vê como decorre a coisa. (…) Às 11.30 fomos para o Pavilhão, almoçámos lá todos, os do lar, os utentes, todo o pessoal que trabalha lá, e as próprias doutoras (…) Foi bom, dançaram, e 2 concertinas a tocar, e o Inácio também a cantarolar, etc. (...)

18/5/2009

(…) A Maria da Graça tem estado aparvalhada. Eu não alertei ninguém de cá, do que se passa (…).

19/5/2009

(…) Hoje foram apanhar a Espiga, tudo bem, mas eu não quis ir, fui até ao café buscar tinto para o almoço (…)

29/5/2009

(…) Esta noite a Maria da Graça passou a noite a vomitar, tive que chamar as meninas de serviço (…)

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Sitografia:

Blogue A Nossa Quinta de Candoz > 1 de julho de 2008 > Mensagem dos pais do Luís e sogros da Alice, agora no Lar e Centro de Dia de N. Sra. Da Guia, Atalaia Lourinha.

http://anossaquintadecandoz.blogspot.pt/2008/07/mensagem-dos-pais-do-lus-e-sogros-da.html

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 11 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9731: Blogoterapia (208): Ajudando-me a fazer o luto pela perda de uma pessoa tão especial como o meu pai (Luís Graça)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/04/guine-6374-p9731-blogoterapia-208.html

  

08 abril 2012

In Memoriam: Luís Henriques (1920-2012)




Desta vez é triste a notícia que aqui publicamos.

É com imenso pesar que anunciamos o falecimento hoje, 8 de Abril de 2012 ás 9 horas e 45 minutos do Sr. Luís Henriques, pai do autor e editor deste blogue, o nosso Luís.

Com profunda saudade vem-nos à memória aquele senhor bondoso, amável, espirituoso, alegre, com uma história sempre na ponta da língua, com uma sensibilidade e educação extraordinárias que conhecemos e que algumas vezes ao longo dos últimos 30 anos nos visitava em Candoz dando-nos o prazer da sua afabilidade.

A toda a família do Sr. Luís Henriques, nomeadamente às filhas, genros e netos e muito especialmente ao nosso querido cunhado, tio e amigo Luís bem como a sua esposa Maria Alice e filhos Joana e João, aqui deixamos o nosso sincero e sentido pesar pela perda do Pai, Sogro e Avô. Estamos convosco neste momento doloroso.

A emoção não deixa que o pensamento flua e o texto não consegue exprimir os sentimentos que gostaríamos de transmitir e que o Sr. Luís Henriques e o nosso Luís bem merecem.

A sua imagem ficará sempre gravada na nossa memória.

Ainda que "ausente", continuará sempre connosco.

Descanse em Paz, Sr. Luís Henriques!

Em nome de toda a família de Candoz (cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos) pertencente ou não a esta Sociedade,

Gusto.

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A Morte não é Nada

A morte não é nada. Eu somente passei para
o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
Eu continuarei sendo.
Me dêem o nome que vocês sempre me deram,
Falem comigo como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas,
Eu estou vivendo no mundo do Criador.
Não utilizem um tom solene ou triste,
Continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
Sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
A vida significa tudo o que ela sempre significou,
O fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora de seus pensamentos,
Agora que estou apenas fora de suas vistas?
Eu não estou longe,
Apenas estou do outro lado do Caminho...
Você que aí ficou, siga em frente,
A vida continua, linda e bela como sempre foi.

"Santo Agostinho"