Circadiana, a vida!...
Depois do solstício do inverno, virá o solstício do verão
e aos dias suceder-se-ão as semanas, os meses, os anos.
Circadiana, a vida!...
Pior que o suplício do inferno
é o pavor do eterno retorno.
É a eternidade, dizem-te,
que nos move ou demove ou comove,
os seus sucedâneos terrenos, efémeros,
o elixir da juventude, a beleza,
o amor até que a morte nos separe,
o poder, orgástico, de mandar matar e morrer
talvez a paternidade e o egoísmo genético.
Circadiana, a vida!...
Afinal todos os anos é Natal
e todos os anos por aqui passa(va) o compasso pascal.
Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou,
a vida triunfa sobre a morte.
Circadiana, a vida!...
Todos os anos, com sorte…
Exceto quando deixaste a tua terra e foste para a guerra:
perdeste a noção do dia e da noite,
dos dias, das semanas, dos meses, e das estações,
que eram duas, a do tempo seco e a das chuvas.
Circadiana, a vida!...
Disseram-te que o velho general
esteve à beira da tua cama no hospital:
- É uma subida honra, para qualquer mortal,
a sua visita, meu general ! –
terás tu dito mas, por favor, e por pudor, não ponhas isso
no teu “curriculum vitae”.
Esquece a Guiné, camarada, meu herói,
e os pauzinhos que gravaste na parede da caserna,
na contagem decrescente para o fim da tua (co)missão.
Circadiana, a vida!...
Quando eras jovem, tinhas um calendário perpétuo,
na secreta esperança de que os dias não tivessem 24 horas,
não tivessem noite, não tivessem fim.
e pegavas na tua pedra de granito,
montanha acima, montanha abaixo!
Circadiana, a vida!...
E, se Deus quiser, a primavera há de chegar,
e os melros que vão pôr os seus ovos
E trazem histórias de coragem,
as tuas andorinhas de torna-viagem,
vêm do norte de África, quiçá da Guiné,
e não precisam de passaporte,
nem de GPS, nem de código postal, nem de carimbo das alfândegas.
fogem da guerra, e das alterações climáticas,
ou a benção dos imãs
Circadiana, a vida!...
E todos os anos fazes anos
e haverá sempre um bolo de aniversário
e uma vela para soprares.
meu pobre feliz aniversariante ?
Sopras a vida, sopras a vela da vida, de fio a pavio!
Circadiana, a vida!...
Até as almas têm estados, dizem-te, circadianos,
estados de alma, bipolares,
ora de euforia ora de depressão,
socalco acima, socalco abaixo...
Afinal, tão certo como dois e dois serem quatro,
à noite sucede o dia,
Circadiana, a vida, meu amor!...
A vida é pura repetição,
é o teu coração que bate forte, até à exaustão,
até a gente queimar a vela, de fio a pavio.
... a vida, sempre, armadilhada,
presa por um fio de tropeçar.
Última versão, Candoz, 9 de abril de 2023
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Último poste da série > 6 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24202: Manuscrito(s) (Luís Graça) (221): Boas e santas Páscoas, nós por cá... todos bem!