
Era dia de ir buscar mato ao monte.
- Vá, rapazes, toca a levantar e preparar os bois. Já são horas!
Um pouco ensonados, com os olhos ainda semi-cerrados lá se levantavam todos para dar inicio aos preparativos necessários. Um dos rapazes mais velhos que se tinha levantado um pouco mais cedo para dar de comer aos bois – estes deviam estar bem fartos – e que aproveitando a quentura que se fazia sentir dentro da corte acabara por adormecer, enroscado a um canto da mesma, aparecia já com os bois pela soga. E com a mestria de quem já tinha feito essa operação dezenas de vezes, o chefe da casa, ajudado pelos filhos, pegava nas molhelhas que colocava por cima da cabeça dos bois e jungia-os apertando bem as fitas ao jugo (raramente a canga) para depois os "por" ao carro.

Tudo preparado. Os estadulhos do carro nos seus respectivos sítios; a corda do travão também a postos; um bom molhe de erva para os bois comerem durante o dia; as forquilhas, ganchos, sacholas (enxadas), cordas, tudo em cima do carro. Iniciava-se então o percurso para o monte através de caminhos apertados, escabrosos, irregulares, pedregosos, feitos pelos lavradores do antanho, há já provavelmente centenas de anos atrás, onde todo o cuidado era pouco para que não acontecesse algum percalço.

Comandados pelo andar ronceiro dos bois, chegam finalmente ao monte. Está a alvorecer. O sol ainda não nasceu. Está um ar fresco mas bom para roçar mato. Daqui a pouco o sol e o esforço fá-los-ão suar as “estopinhas”.
O carro é retirado dos bois e posto em posição para mais tarde ser fácil de carregar. Os bois embora mantendo-se aparelhados são levados (- Afasta pr’a trás!) para um sítio onde o sol não será tão intenso deixando-os com a vara de os “chamar” a prumo e encostada ao jugo entre as molhelhas. Aí permanecerão na sua mansidão apenas ruminando e sacudindo as moscas com o rabo.



- Já chega! Já não sei se irá todo! Vamos merendar o que sobrou, beber um copo e começar a acartá-lo!
Exclama o pai.

Uns encarregam-se de fazer as paveias de mato, outro sobe para cima do carro para selectivamente ir arrumando e compondo a carga, os outros com as forquilhas vão, paveia a paveia, içando o mato para cima do carro.
A altura da carga já é bastante. Os últimos ramos cortados no derramamento dos pinheiros são colocados por cima de tudo para facilitar a amarração. As cordas são lançadas por cima da carga e bem puxadas e presas para uma maior segurança e estabilidade.

Tudo pronto. Inicia-se a marcha pela encosta abaixo, pelos caminhos em que cada rocha saliente (ainda que bem escavada) obriga a um esforço redobrado pelo desnível que apresenta.
- Puxa pela corda! Força! Trava-me bem essas rodas! Não as deixas rodar!

Felizmente o carro não tombou (não raro acontecia), o que, para além do perigo que isso representava para os bois, do trabalho de ter que descarregar e voltar a carregar o mato era uma vergonha por que se passava sempre que tal acontecia.

- Carrada de mato bô Tio Zé! Bem compostinho!
O sol começava a entrar no seu ocaso. A noite avizinhava-se. A ceia – bem merecida – estava quase pronta.
Mais um dia de estafada labuta estava a chegar ao fim.

Bois? Vacas? Touros? Não há! Apenas algumas ovelhas que pouco precisam e que vão produzindo algum estrume para a horta.
Só de tractor, com moto-serras, com máquinas a gasolina de roçar mato, com “estradões” largos, com pouco mato para cortar porque os incêndios devastam tudo.
Como os tempos mudaram – e em termos de qualidade de vida ainda bem – nestes últimos 30 a 40 anos!

Créditos fotográficos: Augusto Pinto Soares