16 abril 2012

Luis Henriques (1920-2012), "meu pai, meu velho, meu camarada" (Parte III)

Luis Henriques (19.8.1920-8.4.2012)  > Praia da Areia Branca, esplanada do Bar dos Cinco Paus > 17 de março de 2012 > A sua despedida do mar azul,com as Berlengas ao fundo, que ele tanto amava... 

(Continuação)

Era um bom lourinhanense, muito querido e estimado por toda a gente. Espirituoso, bem humorado, com jeito para o improviso poético, definia assim a sua terra: 


Lourinhã, uma vila catita, 
Bonita, sem vaidade,
Tem montras como uma cidade, 
Mas também ninguém nos engana: 
Ao fim de semana, 
Sem sol, sem bola e sem missa, 
É uma terra de preguiça… 

Ou noutra variante: 

Lourinhã tem três entradas, 
Três saídas, 
Três igrejas, 
Três ermidas,
Três  moinhos de vento 
 E ladrões em todo o tempo.

Era um homem de palavra e de palavras, que nunca usou como arma de arremesso contra ninguém. Talvez por essa razão não tinha inimigos conhecidos: 

Palavra fora da boca 
É pedra fora da mão, 
Tu pensa bem as palavras 
E tira-as do teu coração.

Trabalhador por conta própria, deu trabalho a muita gente, numa época em que o emprego era escasso e mal remunerado… Muitos deles, os que ainda estão no meio dos vivos, falam dele como um patrão que dava camisa ao seu empregado... Ao fim da semana, podia não haver dinheiro em casa, mas não falhava a semanada do seu pessoal...


Tinha, por outro lado,  inúmeros clientes, quer da vila, quer das aldeias mais a norte do concelho (do Sobral a São Bartolomeu) e até fora do concelho (Bufarda, por exemplo). Terá percorrido, na sua vida, muitas dezenas de milhares de quilómetros, de bicicleta, levando e trazendo calçado dos seus “fregueses”, que muito o estimavam. 

O seu negócio teve altos e baixos, e conheceu várias sociedades e vários locais. A última e a mais conhecida das suas oficinas foi na Praça Coronel António Maria Batista, nº 9 (junto ao beco quer liga à Rua João Silva Marques). Daí também o seu desabafo, sob a forma de parlenda popular: 

À segunda [o tradicional dia de descanso dos sapateiros] , o trabalho abunda; 
à terça, dor de cabeça;
 à quarta, trabalho à farta; 
à quinta, dança a pelintra; 
à sexta, o patrão é uma besta; 
ao sábado, o patrão arreliado… passa-se para o outro lado! 

Foi, além disso, um bom pai e um avô carinhoso. Tinha orgulho nos seus filhos, netos e bisnetos, os quais, por sua vez, tiveram a rara felicidade de estarem junto dele na hora, difícil, da sua partida deste mundo. Viveu pobre e morreu pobre.  A maior riqueza que lhes deixa são os valores por que norteou a sua vida, o seu sorriso, a sua bondade, o seu exemplo de  trabalhador honesto e incansável, enfim, a sua alegria de viver que contagiava tudo e todos.


Foto à esquerda, acima: Lourinhã > Abril de 1991 > Luís Henriques (1920-2012) e a sua companheira de toda uma vida, Maria da Graça (n. 1922)

Morreu com dignidade, vítima de doença prolongada. Viveu os seus últimos quatro anos no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, na Atalaia, onde encontrou uma segunda família. 


Em 30/10/2008 escrevia no seu diário: “(…) nesta nova família que nos arranjaram, fico triste pelos que se encontram piores do que eu. Não tenho culpa de ter nascido assim. Por tudo isto, sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos. É esta a minha política: esquecer as minhas dores lembrando dos que se encontram bem piores do que eu (…)”.

Os seus familiares e amigos mais próximos lembrá-lo-ão sempre como uma homem simples mas único que irradiava alegria de viver e boa disposição à sua volta.

Uma palavra muito especial de agradecimento é devida à direção do SCL e ao Lar e Centro de Dia da Atalaia (na pessoa da sua diretora técnica dra. Ana Caetano, do médico dr. Rui Martins e dos demais profissionais que cuidaram do meu pai, até à sua morte, com uma inexcedível competência, dedicação e humanidade). Mas também aos seus parentes, amigos, conterrâneos e vizinhos que se interessaram pelo seu estado de saúde e que o acompanharam até à sua última morada na terra. 


Por fim, um xicoração muito especial aos elementos do Coro Municipal da Lourinhã, Rui Mateus, Moura, Quim Zé e Ana Mateus que no cemitério cantaram para ele e para todos nós a famosa e sublime canção alpina “Signore delle cime”, composta em 1958 pelo italiano Giuseppe de Marzi: 

Dio del cielo, Signore delle cime,
Un nostro amico hai chiesto alla montagna. 
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo: 
Su nel Paradiso, sul nel Paradiso lascialo andare per le tue montagne…

Texto e fotos: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados

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