16 abril 2012

Luis Henriques (1920-2012), "meu pai, meu velho, meu camarada" (Parte II)




Lourinhã > Vídeo feito em 19 de agosto de 2010, no 90º aniversário > Luis Henriques, nascido na Lourinhã, em 19 de Agosto de 1920, filho de Domingos Henriques e Alvarina de Jesus. Casado com Maria da Graça, 88 anos. Foi expedicionário em Cabo Verde (Mindelo, 1941/43). 

Órfão de mãe aos dois anos, foi criado por um tio, sapateiro e músico (Francisco, Fôfa). Começou a trabalhar aos 9 anos, como caxeiro, na loja do fotógrafo da terra (e o primeiro da Praia da Areia Branca, no final dos anos 20). Aos 13, aprendeu o ofício do tio. Fez a tropa, no RI 5, foi mobilizado para Cabo Verde. Regressou à vida civil em Setembro de 1943. Casou em 2 de Fevereiro de 1946, com Maria da Graça, natural de Nadrupe (e que como muitas outras raparigas camponesas, do seu tempo, foi criada de servir em Lisboa, até casar). 

Estabeleceu-se por conta própria depois da tropa, os negócios conheceram altos e baixos. O futebol foi sempre a sua paixão, primeiro como jogador e depois como treinador (nomeadamente das camadas juvenis e júniores). É o sócio nº 1 do Sporting Club Lourinhanense. O Ti Luis Sapatêro  é uma das figuras mais populares e queridas da sua terra. Tem 4 filhos: Luís, Graciete, Maria do Rosário, e Ana Isabel. Tem 12 netos e 4 bisnetos. Vive hoje, com a esposa, no Lar Nossa Senhora da Guia, Atalaia, Lourinhã. Ainda escreve o seu diário... e lê (jornais e romances).

Vídeo (10'  50''): ©    Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes 

(Continuação)


Aos 20 anos assenta praça no Regimento de Infantaria nº 5, Caldas da Rainha. Em 1941 parte para Cabo Verde, como expedicionário, com o posto de 1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5. Tinha memórias muito vivas (incluindo registos fotográficos) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943).
A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o Caixaria, o Boaventura Horta, o Jaime Filipe, o Leonardo, e outros - naturais da vila, da Atalaia, da Serra do Calvo... - que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44).

 Numa época de elevado analfabetismo, sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa (!) de alguns dos seus camaradas, e até das moradas (!) para onde enviava as cartas. 

Em nome do Fortunato Borda d'Água, do Cercal, Azambuja, por exemplo, chegava a escrever 22 cartas por semana... O Fortunato tinha duas namoradas, "uma que chorava ao pé da mãe dele, e outra que se ria, em plena rua"... O meu pai um dia teve que o ajudar a decidir-se:
- Ó Fortunato, afinal de quem é que tu gostas mais ? Com queres casar ? Da que se ri, na rua, ou da que chora no ombro da tua mãe ?...
- Ó Luís, claro que é da que chora...


  A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram dezenas de milhares de mortos, tiveram impacto na sua consciência de bom português e bom cristão. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -, para ajudá-la nas despesas do enterro. Lembro-me de ele me dizer que um cabo ganhava na época qualquer coisa como 130$00 por mês... De volta à metrópole, não terá mais do que 200$00 ou 300$00 no bolso. Para ele o dinheiro nunca foi fêmea...

Do Mindelo escreve à sua namorada, futura noiva e esposa: 


Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,  
Tão logo saia da tropa, 
Trataremos do casamento… 

De regresso à Lourinhã, em setembro de 1943, vinha cheio de saudades… de comer uvas. Faz sociedade, durante mais de 10 anos, com o seu irmão Domingos Severino. Abrem a sua própria oficina de sapataria, na Rua Miguel Bombarda. Chegam a ter bastantes empregados. Na época ainda não havia produção industrial de calçado. 

Casa, entretanto, em 2 de fevereiro de 1946 com a Maria da Graça, natural do Nadrupe, criada de servir de senhores e senhoras de Lisboa, da Praia e da Lourinhã, desde tenra idade [Foto à esquerda, acima].

A 29 de janeiro de 1947 nasci eu. Até 1964, terá ainda mais três raparigas: Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel. [Foto à direita, eu e a Graciete, por volta de 1953].

Continua a jogar futebol, como atleta amador, e ao mesmo tempo participa na vida associativa das diversas coletividades da sua terra, desde o SCL - Sporting Club Lourinhanense,   até aos bombeiros, a banda de música e a misericórdia. É mordomo de festas (como a da Sra dos Anjos e de São Sebastião). 


Quando morreu, era de há muito o sócio nº 1 do SCL, coletividade que de resto sempre o acarinhou e o homenageou, tanto em vida como na morte.

(Continua)






Luís Henriques (1920-2012) é mobilizado  para Cabo Verde. 1º Cabo Inf, nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5 (Caldas da Rainha). Esteve no Mindelo, S. Vicente,  entre Julho de 1941 e Setembro de 1943. Neste episódio, conta como foi de táxi da Lourinhã para Lisboa, em estrada de macadame (70 km), com mais camaradas, chegando atrasado à formatura para o embarque, em 15/7/41... Ouve, pela última vez, a caminho do Cais da Rocha Conde de Óbidos, a voz da sua amiga Fernandinha, que conhecera na Praia da Areia Branca... Quando  voltou, 26 meses depois, procurou-a e soube da triste notícia...da sua morte.

Vídeo (4'  14''):  ©  Luís Graça (2009). Alojado em You Tube > Nhabijoes  

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