13 abril 2012

Na morte de Luís Henriques (1920-2012): uma palavra de agradecimento e apreço ao Lar de Nossa Senhora da Guia, Atalaia, Lourinhã


De.- Luis Graça e família

Para: Direção do
Centro de Dia e Lar Nossa Senhora da Guia
Estrada Nossa Sra. Guia 2
Atalaia
2530-014 ATALAIA LNH
Email –aschatalaia.asocial.anacaetano@gmail.com 
Telefone: 261 423 971

Assunto – Luis Henriques: agradecimento da família



À direção e a todo o pessoal desta prestigiada associação privada de solidariedade social, eu quero transmitir, em meu nome, em nome da minha mulher Maria Alice, e dos meus filhos Joana e Joana, duas palavras, uma de agradecimento e de outra de apreço, na sequência da morte do meu pai, Luís Henriques (1920-2012). Estou autorizado a falar também em nome do resto da família, e em especial das minhas irmãs Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel.

O meu pai foi vosso utente desde meados desde 2008. Infelizmente, a morte levou-o no passado dia 8, num soalheiro domingo de Páscoa. Mas nestes quase cinco anos que aí viveu, na companhia da minha mãe, ele sentiu-se sempre em casa, e referia-se a esse Lar como a sua nova família.

Pelo menos, desde setembro de 2008 até abril de 2011, o meu pai foi escrevendo, por sugestão minha, um diário onde registava, com regularidade, os “pequenos nadas” da sua existência nesta fase terminal da sua vida. Tenho os três cadernos que constituem o seu diário, com mais de 500 páginas manuscritas. Precisarei de tempo e vagar para os ler e analisar.

Há frequentes referências aos serviços e ao pessoal dessa instituição. Segue em anexo uma coleção de excertos do 1º caderno (de 9/10/2008 a 7/6/2009), selecionados a título meramente exemplificativo. Julgo ser também do vosso interesse conhecer melhor a autoperceção que têm os vossos utentes, relativamente às suas necessidades, expetativas e preferências, e avaliar a sua satisfação (bem como a satisfação dos seus familiares) em relação aos serviços prestados.

No seu diário, o meu pai refere-se sempre com grande delicadeza e ternura ao pessoal do Lar: as cachopas, as meninas, a senhora doutora, as senhoras cá da casa, as cachopas novas (estagiárias), o médico, a menina da enfermaria… E faz questão de mencionar os seus nomes: hoje deu-me banho a menina tal…

Por outro lado, mostrava sempre particular cuidado com a segurança e o bem-estar da nossa querida mãe, Maria da Graça, sua esposa e companheira de quarto… E sabia que podia contar com o precioso e pronto auxílio das vigilantes dos quartos, em caso de ocorrência de qualquer acidente ou incidente durante a noite…

Ele gostava também de participar em iniciativas do Lar, tais como festas, convívios, jogos, saídas e outras atividades de animação e lazer… Sentia-se bem quando o apreciavam e achavam graça aos seus ditos espirituosos, aos seus versos improvisados, às suas anedotas e historietas… Colaborava com agrado, sempre que solicitado: No lar querem versos do Natal (19/10/2008).

Amiudadas vezes referia-se à comida do lar, apreciando a sua qualidade e variedade… Sentia-se em casa, embora gostasse muito de receber visitas e de sair… Faz hoje 7 meses que aqui estamos, no Lar, até aqui tudo bem (23/1/2009).

Tinha um forte sentido de compaixão e de solidariedade: conformava-se com as suas dores crónicas, sabendo que havia outros utentes em pior situação que a dele… Embora limitado na sua autonomia, gostava de ajudar e sobretudo animar os outros.

A cultura do lar era também congruente com a sua idiossincrasia: Fico triste pelos que se encontram piores do que eu. (…) Sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos (30/10/2008).

Julgo que a sua atitude e os seus comportamentos em relação ao Lar, ao pessoal e aos utentes não mudaram muito nos anos seguintes, não obstante o agravamento do seu estado de saúde, em especial a partir de meados de 2011. Era, pelo que sabíamos e víamos, uma pessoa popular e querida de todos. Não creio que tenha criado inimizades.

Acima de tudo, ele encontrou neste Lar pessoas de grande qualidade humana e de elevado profissionalismo. Exprimiu-o, no seu diário, de forma singela, mas assertiva.

Compete-me a mim, interpretando também o sentimento de toda a nossa família, reforçar essa palavra de apreço por essa instituição que é a diversos títulos singular e exemplar: (i) a sua proximidade e abertura a (e constante interação com) a comunidade local, incluindo os familiares dos utentes; (ii) a eficiência e a eficácia com que os seus profissionais realizam as suas tarefas diárias; (iii) o seu elevado sentido de missão, o seu empenho e a sua competência; (iv) a humanização presente na organização e funcionamento do lar; (v) o ‘human touch’, o toque humano, que se sobrepõe (e deve sempre sobrepor-se) aos programas, aos planos, aos orçamentos, às políticas, às tecnologias; (vi) a discrição e a humildade com que ali se trabalha, fora das ‘luzes da ribalta’; (vii) a disponibilidade e a sensibilidade com que se lida com (e se tratam) seres humanos tão vulneráveis como são os nossos idosos institucionalizados; (viii) o forte espírito de corpo de cada uma das equipas que asseguram o funcionamento do Lar; (ix) o constante cuidado com o bem-estar, físico, mental, psicológico e até espiritual, dos utentes; e, por fim, e não menos importante, (x) o saber estar, o saber ser, o saber fazer dos vossos profissionais em relação à morte e ao morrer…

Queria sublinhar a maneira sempre hospitaleira, franca e carinhosa, como, no meu caso pessoal, da minha mulher e dos meus filhos, somos recebidos e tratados nesse lar, enquanto visitas. As minhas irmãs também partilham esta opinião. A verdade é que, ao fim destes anos todos, também já nos sentimos em casa, sempre que aí vamos, em geral aos sábados.

Muito em particular, foi para mim e para a minha mulher, Maria Alice, muito importante termos podido passar, com o meu pai, a noite de 4 para 5 de abril de 2012, depois de uma viagem de quase 4 horas, vindos do norte onde nos preparávamos para celebrar a Páscoa.

Nos três últimos dias da sua existência, podemos sempre visitar o meu pai e estar com ele no seu quarto, dentro do respeito das vossas regras de funcionamento. Gostaríamos, no entanto, de deixar aqui um sugestão quanto à possibilidade de os familiares mais próximos (em nº necessariamente restrito) poderem estar ao lado dos seus entes queridos, nos últimos momentos da sua vida.

Acreditamos que a organização do Lar pode não estar, de imediato, preparada para responder a este pedido ou sugestão. Mas seria, se não um exemplo pioneiro (há já hospitais e outras instituições onde tal acontece), pelo menos um passo muito significativo na humanização da morte e do morrer em Portugal.

Sabemos que o nosso pai não morreu sozinho, teve a seu lado duas das vossas melhores profissionais que, por razões óbvias, não vamos identificar, por que correríamos o risco de subvalorizar o trabalho de outras colegas, em iguais circunstâncias.

Estávamos a acabar de chegar ao Lar quando o meu pai exalou o último suspiro. Conforta-nos saber que ele se despediu desta vida, em paz consigo, connosco, com Deus e com o mundo. E que morreu com a dignidade humana possível.

Peço à direção do Lar que dê conhecimento, a todos os profissionais dessa casa, do conteúdo desta mensagem, e que lhes transmita toda a nossa gratidão, reconhecimento e apreço pelo carinho, amizade e compaixão com que trataram o meu pai e continuam a tratar a minha mãe.

O melhor do Lar e Centro de Dia de N. Sra. da Guia são as pessoas que lá trabalham, no ‘front office’ e no ‘back office’. O nosso sentimento de apreço e de agradecimento é extensivo, naturalmente, às pessoas que compõem os órgãos de gestão e de direção técnica.

A todos/as, o meu, o nosso Bem Hajam !

Luís Graça, em nome de toda a família de Luís Henriques e Maria da Graça.

Alfragide, Amadora, 12 de abril de 2012.

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Anexo - Diário de Luís Henriques (2008-2011): Seleção de excertos do 1º caderno (de 9/10/2008 a 7/6/2009)

10/10/2008

(…) As cachopas já reinam com o ti Luís, chamo a isto uma verdadeira família (…).

14/10/2008

(…) Veio cá a televisão filmar-nos. Eu fui entrevistado, […]indicado para falar na apresentação de casais dos mais recentes desta casa (…).

19/10/2008

(…) No lar querem versos do Natal (…)

30/10/2008

(…) desta nova família que nos arranjaram, fico triste pelos que se encontram piores do que eu. Não tenho culpa de ter nascido assim. Por tudo isto, sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos. É esta a minha política: esquecer as minhas dores lembrando dos que se encontram bem piores do que eu (…).

7/11/2008

(…) A comida continua a ser boa. Tivemos ontem ao almoço cozido à Portuguesa (…).

8/12/2008

Nª Sraª da Conceição: festa cá na casa, missa na capela, seguida de almoço que demora a tarde inteira com atuação de animação variada e música, etc.(…)

16/12/2008

(…) 4ª feira, [17], é o almoço nos Teimosos, vamos ver como corre a partida (….).

17/12/2008

(…) Foi um dia bem passado, ela [, Maria da Graça,] até dançou, a meu pedido, com as senhoras cá da casa, até a própria doutora (…). Muita gente, velhotes também de outros lares, foi bonito, e não esperavam tanta gente (…).

23/1/2009

(…) Faz hoje 7 meses que aqui estamos, no Lar, até aqui tudo bem (…)

4/2/2009

(…) Estou contente de cá estar nesta nova família, estou a escrever e a ver televisão (…)

5/2/2009

(…) Hoje entrou mais gente para o Lar. E também mais estagiárias, gente que entrou para trabalhar, cachopas novas (…)

11/2/2009

(… ) Fui ao médico, Rui Martins, médico da casa: estava eu a jogar ao dominó, senti dores de cabeça e queixei-me à senhora da enfermaria. Chamou logo o doutor que depois observou-me e disse à menina para eu ir tirar análises (…).

13/2/2009

(…) Notei que o café fez-me bem disposto, até 4 novos elementos que aqui estão a estagiar riram com as minhas anedotas. Eles tiraram fotografias connosco. (…)

17/2/2009

(…) Fui convidado para irmos à Lourinhã, 4ª feira, desfilar, o pessoal cá do Lar, Moleiros e Padeiras (…).

1/3/2009

(…) Hoje foi um dia calmo neste Março Marçagão, de manhã inverno, à tarde verão (…)

5/3/2009

(…) O almoço foi coelho com arroz, bem bom. À tarde, peixe (goraz ou pargo ?), cozido com batatas, salada de alface, e uma pinga de tinto em cima (…)

20/3/2009

(…) Fomos avisados para estar na sala de televisão, ás 2h30. Foram passados retalhos do Natal, do Carnaval, etc. (…)

23/3/2009

(…) faz hoje 9 meses que aqui chegámos a este Lar. Depois do almoço tivemos uma sessão [sobre] vários jogos intergrupos. Foi engraçado, ver responder com gestos sem falar e tentar compreender, etc. (…)

25/3/2009

(…Faleceu a [cunhada] Elvira Barbosa (…). Levaram-nos ao Nadrupe (…). Fomos só velar o corpo e falar com alguns familiares. Chegou a hora dela, e a nossa também chegará (…).

29/3/2009

A menina F… deu-me banho (…)

/4/2009

(…) Boa comida, já escrevi aqui atrás. Tanto ao almoço como ao jantar (…)

6/4/2009

(…I) Esta noite passada a Maria da Graça caiu da cama abaixo. Eu consegui levantá-la. Eu pedi socorro, elas apareceram, mas já não foi preciso (…).

16/4/2009

5ª feira, dia de banhos, De manhã não saí à rua. De tarde veio cá o comandante da GNR da Lourinhã, a avisar os utentes cá do Lar, por causa do conto do vigário (…)

7/5/2009

(…) Hoje há uma pequena festa, o almoço e a merenda são passados lá no Pavilhão Multiusos com dança, e o Inácio está convidado para cantar e fazer variedades. Logo se vê como decorre a coisa. (…) Às 11.30 fomos para o Pavilhão, almoçámos lá todos, os do lar, os utentes, todo o pessoal que trabalha lá, e as próprias doutoras (…) Foi bom, dançaram, e 2 concertinas a tocar, e o Inácio também a cantarolar, etc. (...)

18/5/2009

(…) A Maria da Graça tem estado aparvalhada. Eu não alertei ninguém de cá, do que se passa (…).

19/5/2009

(…) Hoje foram apanhar a Espiga, tudo bem, mas eu não quis ir, fui até ao café buscar tinto para o almoço (…)

29/5/2009

(…) Esta noite a Maria da Graça passou a noite a vomitar, tive que chamar as meninas de serviço (…)

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Sitografia:

Blogue A Nossa Quinta de Candoz > 1 de julho de 2008 > Mensagem dos pais do Luís e sogros da Alice, agora no Lar e Centro de Dia de N. Sra. Da Guia, Atalaia Lourinha.

http://anossaquintadecandoz.blogspot.pt/2008/07/mensagem-dos-pais-do-lus-e-sogros-da.html

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 11 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9731: Blogoterapia (208): Ajudando-me a fazer o luto pela perda de uma pessoa tão especial como o meu pai (Luís Graça)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/04/guine-6374-p9731-blogoterapia-208.html

  

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